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#O JORNALISMO NO BRASIL EM 2023

Após anos de violência, jornalismo precisará transformar feridas em ação para ajudar a reconstruir a democracia

Moreno Osório*

Publicado por Headline, sétima edição do projeto realizado pelo Farol Jornalismo e pela Abraji indica que, em 2023, a profissão deve consolidar avanços e seguir vigilante ao bolsonarismo e às táticas de desinformação

12 de dez. de 226 min de leitura
12 de dez. de 226 min de leitura

Em 2023, os jornalistas brasileiros vão respirar aliviados. 

A derrota de Jair Bolsonaro nas eleições projeta um cenário de certa normalidade democrática em que os ataques ao jornalismo devem diminuir. Mas se, por um lado, o fim de um ciclo de violência como política de estado permite vislumbrar um período de recuperação das agressões sofridas nos últimos quatro anos, por outro, sugere vigilância contínua e disposição em transformar esse legado doloroso em avanços.

O ano de 2023 será de reconstrução. O novo governo Lula tem a tarefa de reconstruir a sociedade democrática, cujas instituições foram corroídas por dentro ao longo do governo Bolsonaro. Não serão poucas as frentes de trabalho. Mas duas aparecem como prioridade já no processo de transição — a crise climática e a fome. O Brasil termina 2022 acumulando recordes de desmatamento e com 33 milhões de pessoas em insegurança alimentar. 

Ao mesmo tempo, caberá às forças políticas alçadas ao poder a tarefa de cicatrizar uma sociedade cindida. Os atos golpistas ainda em curso em vários pontos do país e o questionamento ao resultado das eleições, embora vazio de evidências, ilustram mais do que duas metades da nação de costas uma para outra — representam, também, o descolamento da realidade de parte da população. 

Tal fenômeno se deve, em grande medida, à desinformação. A adoção da mentira e do negacionismo como estratégia encontrou terreno fértil no Brasil de Bolsonaro. O uso da máquina pública e a transparência algorítimica para esse tipo de tática discursiva culminaram em hordas cantando o hino nacional para pneus e pedindo ajuda extraterrestre na frente de quarteis. Seriam apenas caricatas se não fossem perigosas. E violentas.

Em 2022, sob pancadas, o jornalismo avançou. Em 2023, em seu processo de cicatrização, seus profissionais não terão descanso.

Porque no ano que se avizinha o jornalismo precisará transformar suas feridas em consciência, e sua consciência em novas práticas que o afirmem como uma instituição capaz de dar conta dos desafios impostos à sociedade brasileira. Assim, ele cumprirá seu papel como um dos pilares da democracia.

A truculência do bolsonarismo ajudou a deixar evidentes os valores aos quais o jornalismo deve servir. Nos últimos quatro anos, o jornalismo brasileiro esteve mais unido, fortaleceu-se como instituição, entendeu o valor da colaboração e se tornou mais diverso.

Agora, cabe aos jornalistas consolidar os aprendizados da era Bolsonaro e se manter vigilantes, porque mesmo sem Jair Bolsonaro no poder, o bolsonarismo não morreu.

É o que projetam os 9 autores e autoras convidados por Farol Jornalismo e Abraji para esta edição d’O jornalismo no Brasil, especial que há sete anos reúne jornalistas e pesquisadores para refletirem sobre o que esperar do jornalismo no ano que se aproxima. 

Neste ano, a publicação ganha uma nova casa, a news platform Headline, cuja missão é reunir o melhor do jornalismo independente. E para isso, Headline entende que também é preciso conversar sobre jornalismo. Afinal, se o jornalismo é tão importante para a democracia, nada mais necessário do que discutirmos sobre como ele é produzido e como ele afeta a sociedade.

Natalia Viana, diretora executiva da Agência Pública, ao se perguntar o que fica do bolsonarismo, ressalta a importância de que todos os jornalistas, em especial os que cobrem política, entendam os mecanismos de desinformação. "O futuro da cobertura política está aí", escreve. Viana ainda chama a atenção para a violência contra a imprensa: ela não desaparecerá, pois é um "elemento aglutinador da identidade bolsonarista".

Denise Mota, editora na AFP e colunista na Folha de S.Paulo, defende que a violência sofrida pelos jornalistas ao longo do governo Bolsonaro deve servir para construir uma consciência a respeito das violências que as minorias políticas sempre sofreram no país. E essa consciência se transforma em ação a partir da diversidade. Só assim o jornalismo conseguirá "contribuir para fazer do Brasil uma sociedade verdadeiramente justa". 

A diversidade também tem um horizonte um promissor no mercado brasileiro de jornalismo em áudio. Afinal um país continental como o nosso possui uma infinidade de histórias incríveis a serem contadas. Mas desde que produtores busquem formas variadas de financiamento para evitar a adesão a fórmulas narrativas importadas do exterior, observa Tiago Rogero, gerente de criação na Rádio Novelo.

A provocação de Denise Mota também dialoga com os alertas lançados pela pesquisadora Rafiza Varão a respeito da ética jornalística. Para a professora da UnB, caberá ao jornalismo em 2023 entender que a ética profissional não é algo estanque, "uma norma que deve ser seguida de forma irrefletida mesmo que as evidências digam o contrário". Ética, segue ela, requer posicionamentos deliberados, não automáticos.

Nesse sentido, a cobertura da crise climática se coloca como um dos grandes desafios do próximo ano. Embora haja avanços, a postura do jornalismo em relação a pautas ambientais exigirá ainda mais de seus profissionais, aponta a editora-chefe da Agência EcoNordeste, Maristela Crispim. Para ela, o jornalismo deverá vigiar poderes, lutar contra a desinformação e educar a população sobre um dos temas mais urgentes da atualidade.

Não é possível falar de crise climática sem abordar o jornalismo local — e as dificuldades de se realizá-lo Brasil afora. Isabelle Maciel, cofundadora e editora-chefe do Tapajós de Fato, sublinha a necessidade de que jornalistas que cobrem o que acontece em seus territórios possam trabalhar com segurança, pois o jornalismo local é a "arma" de defesa para as populações localizadas fora do alcance da grande imprensa.

A desinformação é um desafio que atravessa toda as dimensões das práticas jornalísticas. Ao longo dos últimos anos, em especial a partir da pandemia de covid-19, o jornalismo de dados vem se mostrando com um dos antídos mais eficazes contra esse mal. O avanço dessa área na iniciativas de jornalismo hiperlocal, na visão de Lucas Thaiynan e Graziela França, da Agência Tatu, será fundamental para combater o negacionismo.

Outra frente que o jornalismo pode e deve abraçar para conter a desinformação é o SEO, na perspectiva da gerente de marketing digital e audiências no JOTA, Isabela Sperandio. Se valorizada pelas redações brasileiras, a otimização de resultados nas buscas pode não apenas aproximar o jornalismo de suas audiências mas começar a equilibrar a disputa, na internet, entre o conteúdo de qualidade e as chamadas "fake news". 

Durante os anos Bolsonaro, no entanto, parte da desinformação tinha origem em veículos alinhados ao governo. Qual será, em 2023, o destino da mídia bolsonarista? O professor do PPG em Jornalismo da UFSC Jacques Mick projeta quatro caminhos: seguir bolsonaristas, dedicando-se a uma oposição radical, administrar críticas ao novo governo, mudar a postura editorial e apoiar a nova administração ou abraçar valores clássicos da profissão.

Apesar do cansaço acumulado, o próximo ano não será de descanso para o jornalismo brasileiro. A violência — embora, esperamos, não praticada pelo Estado — seguirá uma realidade, a desinformação permanecerá onipresente e a democracia precisará ser reconstruída. 2023 será um ano de reconstrução. Para a democracia brasileira e para o jornalismo.

*Editor do especial O jornalismo no Brasil em 2023.

Realização Farol Jornalismo e Abraji
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