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#O JORNALISMO NO BRASIL EM 2023

Quantas histórias incríveis vamos conseguir contar no ano que vem?

O cenário para podcasts jornalísticos é promissor para 2023, mas, para conseguir contornar fórmulas importadas e contar histórias mais diversas, produtores de conteúdo precisarão fortalecer formas variadas de financiamento

Tiago Rogero*
#O JORNALISMO NO BRASIL EM 202312 de dez. de 228 min de leitura
Tiago Rogero*12 de dez. de 228 min de leitura

Afinal, quantas pessoas no Brasil ouvem podcasts frequentemente? Quantas já ouviram alguma vez na vida? Quantas realmente sabem o que é um podcast? Como as pesquisas sobre isso são poucas e não muito aprofundadas, ninguém sabe ao certo essas respostas. Há, contudo, algumas noções. Em julho de 2021, o Grupo Globo divulgou uma pesquisa encomendada ao Ibope — e feita em outubro de 2020 — mostrando que, das pessoas com mais de 16 anos no Brasil, 17% eram ouvintes de podcasts (em 2019, eram 13%). Não é pouca coisa, especialmente considerando que somos um país com mais de 215 milhões de habitantes, segundo o IBGE.

Mas a pesquisa mostra também que muita gente ainda não ouve podcast no Brasil. Aliás, muita gente sequer faz ideia do que seja um podcast. A profunda desigualdade socioeconômica do nosso país, é sempre bom lembrar, manifesta-se também no acesso à internet, e sobretudo à de banda larga, algo que ficou escancarado na dificuldade de ensino a distância durante os meses de isolamento social provocados pela pandemia de Covid-19. E, mesmo entre quem tem acesso à rede e já tem o hábito de consumir conteúdo pelas plataformas digitais, a preferência pelo áudio ainda é muito menor do que a pelo vídeo, por exemplo (não por acaso, é cada vez mais comum a produção de podcasts que incluem também vídeo, os chamados "videocasts").

Por tudo isso, podcast está longe de ser uma mídia "popular" no Brasil. Mas, como a própria pesquisa mostrou, o número de ouvintes está crescendo. Assim como o investimento de veículos de mídia, plataformas de streaming e também de personalidades (jornalistas, artistas e influenciadores) nessa mídia. Por esse motivo — e por perceber que há ainda um potencial inexplorado de novos ouvintes —, vejo com otimismo o cenário para a produção de conteúdo em áudio no Brasil em 2023.

Vejo com otimismo

O que me deixa otimista, entretanto, também é o que me causa certa preocupação, sobretudo para o jornalismo em áudio. 

Rápidas visitas aos rankings de podcasts nos EUA de Spotify e Apple (as plataformas que detêm a maior parte do share por lá) revelam que, semana após semana, há três gêneros em específico que geralmente ocupam os primeiros lugares: os programas de true crime (os que "investigam" crimes reais), os de entrevistas/conversas apresentados por celebridades — e que têm, como convidados, outras celebridades — e os de "autoajuda" (emocional, espiritual ou financeira). Há, claro, podcasts jornalísticos entre eles (sobretudo entre os de true crime; embora, claro, nem todo programa desse gênero seja jornalístico). Mas é raro que podcasts jornalísticos fora dessa "tríade" ocupem (e consigam permanecer entre) o "Top 10" dessas duas plataformas.

Audiência, definitivamente, não deveria ser o mais importante. Mas é o que move o mercado.

E o mercado brasileiro segue o dos EUA, onde surgiu e "explodiu" a mídia podcast. O primeiro grande sucesso foi justamente um programa de true crime: "Serial", em 2014 (um fenômeno cultural e de audiência que, desde então, conta com mais de 300 milhões de downloads pelo mundo). Era não só um programa de true crime, mas "narrativo" (em formato que se assemelha ao dos documentários em vídeo; mas, claro, todo em áudio). Como resultado desse sucesso, surgiram outros com o mesmo formato nos EUA e, consequentemente, no Brasil — como "Projeto Humanos" (2015), de Ivan Mizanzuk; ou "Presidente da Semana" (2018), de Rodrigo Vizeu pela Folha de S. Paulo, por sua vez diretamente inspirado no "Presidential" (2016), do Washington Post; ou "Praia dos Ossos" (2020), da Rádio Novelo. 

Os próprios "Café da Manhã", da Folha, e "O Assunto", do G1, ambos de 2019, foram diretamente inspirados no formato estabelecido pelo "The Daily" (2017), do NY Times, em que todo dia é escolhido um tema principal a ser aprofundado por um repórter da própria redação.

Naturalmente, produtores brasileiros têm importado também formatos não-jornalísticos, como o que ficou famoso com o comediante Joe Rogan: um programa diário de entrevistas que faz questão de se apresentar como não-jornalístico justamente pela "descontração" da conversa também filmada e exibida ao vivo ou em "cortes" em plataformas de vídeo. Em boa parte das vezes, não há qualquer qualquer contestação, contextualização ou responsabilidade com a informação transmitida pelas respostas, o que fez com que "The Joe Rogan Experience" (2009) ficasse notório também pela propagação de desinformação, algo que acompanhou ao menos uma de suas "versões" brasileiras.

Outro formato que já chegou por aqui é o de celebridades entrevistando celebridades, como o "Quem Pode, Pod" (2022), apresentado por Giovanna Ewbank e Fernanda Paes Leme, ou o próprio "Mano a Mano", em que Mano Brown conta com a ajuda da jornalista Semayat Oliveira na condução das (invariavelmente muito boas) entrevistas.

Importar ou se inspirar em formatos vindos dos EUA está longe de ser um problema. O que preocupa é a mentalidade do mercado de só investir no que (teoricamente) dá audiência. 

No Brasil, os rankings das plataformas já mostram um cenário parecido com o dos EUA. Há, claro, casos de podcasts que furam essa bolha: tanto jornalísticos — como "Uol Investiga" (2021), "Medo e Delírio em Brasília" (2019) e os já citados "O Assunto", "Café da Manhã", "Presidente da Semana" e "Praia dos Ossos" — quanto não jornalísticos, como "História em Meia Hora" (2020), "Não Inviabilize" (2020) ou "Ambiente de Música" (2021). Mas, cá como lá, o que "bomba" atualmente são os podcasts de true crime, celebridades-com-celebridades e autoajuda.

"Se o que dá mais audiência são os podcasts de true crime, celebridades-com-celebridades e de autoajuda, haverá investimento também para produções que fujam a isso em 2023?"

Nada contra nenhum desses três gêneros, aliás, quando feitos com responsabilidade — o que é o caso da maioria. O temor aqui é que, com o tempo, nossa "aquarela" acabe praticamente reduzida somente a essas três "cores" — ao menos como foco de investimento e financiamento. E isso conversa diretamente com um aspecto positivo de tempos recentes que pode acabar virando um problema futuro se não for observado com atenção.

Nos últimos anos, plataformas de streaming em áudio (como as estrangeiras Spotify e Deezer e a brasileira Globoplay) passaram a investir na produção de conteúdos originais nacionais em podcast. As decisões sobre em que e como investir levam em conta muitos aspectos — internos — dessas empresas. Nem sempre, o motivo principal é o "potencial" de audiência, mas e quando for somente ou majoritariamente esse? Se o que dá mais audiência — salvo, frisando, algumas exceções — são os podcasts de true crime, celebridades-com-celebridades e de autoajuda, haverá investimento também para produções que fujam a isso em 2023?

O bom jornalismo, quando "de fôlego" ou diário, não costuma ser lido como "quente" pelo mercado. Fazer sucesso não deve ser uma obrigação do jornalismo — pode (como, por vezes, é) ser um resultado, mas não o único ou principal objetivo.

Por isso, no ano que vem um esforço da consolidação do podcast como plataforma economicamente viável para o jornalismo passa pelo fortalecimento de formas variadas de financiamento. O próprio mercado publicitário, por exemplo, embora esteja lentamente voltando os olhos para a mídia, ainda não enxerga o áudio com o potencial que merece por seu considerável e crescente volume de ouvintes e suas altas taxas de engajamento. O investimento de instituições filantrópicas em produções jornalísticas (embora haja um ou outro caso) também nem de longe alcança o volume empregado nos EUA — os "nossos" ricos, salvo importantes exceções, não costumam se interessar pelo jornalismo ou pelo fortalecimento da democracia.

Se não diversificarmos as receitas, correremos cada vez mais o risco de sermos ditados somente pela expectativa de audiência.

Em 2023, o jornalismo em áudio no Brasil tem tudo para reeditar um já tradicional desafio do jornalismo: se nos guiarmos somente pelo que se acha (muitas vezes por puro "achismo", mesmo) que dará audiência, quantas histórias incríveis e importantes deixaremos de contar?

* Jornalista, criador e coordenador do projeto Querino, publicado em podcast (produzido pela Rádio Novelo) e matérias (na revista piauí). Gerente de criação na Rádio Novelo. Foi repórter de O Globo, O Estado de S. Paulo e BandNews FM. Diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) no biênio 2022-2023. Idealizador e apresentador dos podcasts narrativos Vidas Negras (original Spotify produzido pela Rádio Novelo) e Negra Voz (pelo jornal O Globo). Vencedor do 42º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog (2020) com o Negra Voz, e finalista do prêmio do Third Coast International Audio Festival (2021) com o Vidas Negras.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2023. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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