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#O JORNALISMO NO BRASIL EM 2023

SEO e a construção de um jornalismo de qualidade

Além de ajudar a construir audiência e se relacionar com o público, em 2023 as estratégias de SEO podem se fortalecer como ferramenta indispensável na luta contra a desinformação, ajudando o jornalismo na reconstrução das vias democráticas

Isabela Sperandio*
#O JORNALISMO NO BRASIL EM 202312 de dez. de 228 min de leitura
Isabela Sperandio*12 de dez. de 228 min de leitura

Todos os dias, 8,5 milhões de pesquisas são processadas pelo Google ao redor do mundo; um total de 80 mil consultas por segundo. Trata-se do segundo site mais visitado do planeta — e do Brasil. Aqui, mais de 3,2 bilhões de visitas são realizadas mensalmente, atrás apenas do Youtube, que soma 3,9 bilhões. Já entre os sites de jornalismo, o primeiro da lista é o G1 (4º no ranking geral), com 520 milhões, seguido pelo UOL, com 468 milhões de visitas**, muitas das quais chegam diretamente por meio de pesquisas realizadas no Google.

Segundo a Statista.com, empresa alemã especializada em dados de mercado, 96,22% dos usuários brasileiros utilizaram o Google em junho de 2022. O Brasil é o 7º país em porcentagem de usuários que acessam o serviço, na frente de Itália ou Espanha, por exemplo. A média mundial é de 91,89%.

Consultas como “BBB” ou “como fazer arroz” estão entre as mais realizadas pelos brasileiros há anos. O volume de pesquisas é tão grande que há sites que sobrevivem por manterem conteúdos como "receita de bolo" na primeira posição da pesquisa no Google. Isso acontece porque que a média do CTR (Click Through Rate, ou, simplesmente Taxa de Cliques) para os conteúdos na primeira posição do Google é de quase 32%*** — e se a busca é constante e o posicionamento é bom, a audiência se mantém.

São exemplos que se repetem há anos e servem para ilustrar o comportamento do usuário na internet. Quando falamos de Search Engine Optimization (SEO)  — otimização de mecanismo de busca —, que nada mais é do que o caminho para fazer com que o site e/ou conteúdo chegue até a pessoa que o está buscando, tudo parece muito complexo, mas o exemplo da receita de bolo mostra que grande parte do que os usuários fazem é bastante previsível. O que a audiência procura de forma geral são respostas simples para o que acontece ao redor, e isso inclui receitas, a data do segundo turno das eleições, informações sobre uma artista que sofreu um acidente, o prazo para a declaração do Imposto de Renda ou, simplesmente, entender um meme.

"Se soubermos usar o Google Trends a nosso favor, há muitas oportunidades para engajar a audiência. Mas, infelizmente, esse olhar ainda é bastante escasso no Brasil."

SEO como estratégia de negócio

“O que é cringe” e “O que é basculho” foram duas das pesquisas mais realizadas pelos brasileiros no ano passado. Os dados de 2022, consolidados pelo próprio Google, ainda não foram divulgados, mas certamente o debate eleitoral, Lula, Bolsonaro, planos de governo e PECs estarão entre os destaques. O Google Trends, ferramenta gratuita do Google que mostra quais são os termos mais populares e a evolução dos volumes de busca, mostra que grande parte das buscas mais relevantes podem ser previstas — ou intuídas — pelos jornalistas.

Por outro lado, 500 milhões das consultas realizadas a cada dia ao redor do mundo são inéditas. Trata-se de 15% das buscas diárias. Isso significa que as pessoas também procuram por assuntos da atualidade: o minuto a minuto de uma explosão, novidades sobre uma personalidade, uma marca, lançamentos de produtos ou serviços, moda. A lista é enorme e, no meio dela, estão as notícias. Portanto, se observarmos com cuidado, se soubermos usar essa ferramenta a nosso favor, há muitas oportunidades  para fazer jornalismo e ainda engajar com a audiência.

Mas, infelizmente, esse olhar ainda é bastante escasso no Brasil. Nas redações digitais, é raro encontrar profissionais focados em audiência e SEO. Na maioria dos casos, não há ninguém especializado. E quando esses profissionais existem, no geral, ganham pouco espaço e relevância, ou seja, não são levados tão a sério, muito diferente do que ocorre em outras partes do mundo. O The New York Times, referência de audiência e monetização de notícias, é um bom exemplo.

Um dos braços do crescimento de audiências (e assinaturas) do NYT tem nome e sobrenome: Claudio E. Cabrera. O ex-diretor de audiências do NYT, e atual vice-presidente de audiências e estratégia de redação do The Athletic, veículo especializado em esportes recentemente adquirido pelo grupo por 550 milhões de dólares, trabalhou cinco anos como responsável de SEO no Times. Lá ele ganhou projeção e passou a ser considerado um dos melhores profissionais de construção de audiências do mundo. Isso por conta do êxito da estratégia de SEO que ele implementou. Para se ter uma ideia de como a sua estratégia foi bem sucedida e essencial para o jornal nova iorquino, cerca de 35% dos assinantes do paywall vieram por causa dessa construção de audiência.

Outro exemplo bastante relevante está na Europa, onde é bastante  comum ver uma grande mesa de audiências localizada no centro das redações . 

O El País Espanha, por exemplo, tem em sua folha de pagamento cinco jornalistas com o cargo de “Editor(a) de SEO”. Nenhum conteúdo é publicado sem antes passar pelo olhar desses profissionais, e o mais importante: todos eles são levados muito a sério, não só na edição do conteúdo, mas também no planejamento das coberturas. Recentemente, essa equipe de SEO se uniu ao time de Social Media e aos analistas de audiência em uma nova área chamada de “Estratégias Digitais”. Um time forte, coeso e amplo que tem como objetivo pensar e/ou ampliar pautas, novos formatos, linguagens e canais de distribuição com foco em métricas concretas como audiência e conversão de assinantes, mas também em outros KPIs menos objetivos como autoridade, relevância editorial, presença e fortalecimento de marca, além de novas oportunidades de negócio.

"Em tempos de desinformação, a estratégia de SEO e de audiência se faz necessária, pois os espectros políticos antidemocráticos estão ganhando a disputa do consumo de notícias."

Ferramenta democrática

Essa construção não é exatamente nova. Cabrera entrou no NYT há mais de 6 anos. Os veículos de comunicação europeus contam com esse perfil de profissionais há mais de 10 anos. E em tempos de desinformação e guerra cultural, a estratégia de SEO e de audiência se faz cada vez mais necessária. Não só porque os sites precisam de páginas vistas e usuários únicos para sobreviver, mas porque espectros políticos antidemocráticos presentes nessa guerra cultural vão ganhando a disputa do consumo de notícias. Até por hoje, esse consumo já não está mais segmentado apenas aos veículos tradicionais. YouTube, TikTok, Twitter, Meta, blogs e sites de informação falsa ou manipulada, ganham cada vez mais tempo no dia a dia dos consumidores.

O jornalismo profissional e a entrega de conteúdo de qualidade são os caminhos mais importantes para combater a desinformação e as fake news, mas essa informação jamais terá a relevância necessária se não for consumida de forma massiva e, idealmente, de forma mais intensa do que o consumo que a  extrema direita propaga. Esses sites de conteúdo falso se especializaram em utilizar todo tipo de ferramentas e plataformas pensadas para gerar grandes ondas de audiência, surfando na lógica do algoritmo, enquanto o jornalismo tradicional se preocupa mais com a qualidade e não tanto com a distribuição do que produz.

A estratégia de SEO é mais um braço na construção da estratégia de audiência. Mas um braço de máxima necessidade pelos diversos fatores já mencionados: fortalecimento da marca, impacto na opinião pública, além de conseguir impor o conteúdo de qualidade sobre as falsas narrativas divulgadas por movimentos extremistas. E a monetização dos veículos por meio da audiência é apenas uma das consequências positivas. A criação de comunidade ao redor de uma marca é outra. Mas talvez a mais importante seja mesmo a possibilidade de encontrar caminhos relativamente simples, porém seguros, para “bater na porta” da maior quantidade possível de usuários, entregando o que eles estão buscando: um conteúdo palatável, mas que é essencial para diminuir o desvio de percepção da sociedade sobre os fatos e a realidade. Nesse momento, poucas urgências são tão relevantes quanto esta, inclusive para manter vivo o jornalismo de qualidade.

Levando em conta o estado avançado da construção dessa lógica, e a estrutura das redações em outras partes do mundo, é inegável que o Brasil precisa recuperar muito do tempo perdido. Mas, para isso, é necessário  formar profissionais, estudar mercados e produtos, entender processos e implementar táticas que sejam eficientes em um curto espaço de tempo, para que a transição que o país viverá em 2023 não seja apenas no palácio da Alvorada, mas também a reconstrução das vias democráticas por meio de conteúdos de qualidade. Isso só será possível oferecendo ao maior número possível de pessoas amplo acesso a essa informação. E o SEO está aí para isso.

**Dados do Semrush, edição 2022
***Fonte: Backlinko, via @experta.br

*Jornalista com mestrado em Gestão de Empresas de Comunicação pela Universidad de Navarra, na Espanha, e pós-graduada em Marketing pela FAE Business School, em Curitiba. Especialista em gestão de audiência e conversão de mídia, Isabela é gerente de marketing digital e audiências no JOTA. Anteriormente, trabalhou como coordenadora de inbound marketing na Infomoney e como gerente digital do Grupo Abril. Também foi responsável pela estratégia de audiência orgânica do EL PAÍS Brasil e analista de audiências no EL PAÍS em Madrid.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2023. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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