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#O JORNALISMO NO BRASIL EM 2023

Em 2023, jornalismo local terá a esperança de atuar com liberdade e independência

Os últimos quatro anos foram de muita apreensão para jornalistas que atuam localmente. Viver sob um governo que nos agride fez com que sobreviver fosse nossa principal pauta, mas o resultado da eleição presidencial de 2022 nos faz ir para 2023 reavivando a esperança

Isabelle Maciel*
#O JORNALISMO NO BRASIL EM 202312 de dez. de 229 min de leitura
Isabelle Maciel*12 de dez. de 229 min de leitura

Escrever sobre jornalismo local é escrever sobre resistência, e essa é uma palavra que o jornalista brasileiro conhece muito bem. Afinal, vivemos em um país onde a violência contra a categaoria tem aumentado nos últimos anos, como aponta pesquisa da Abraji que destaca o aumento de 69,2% nos casos de violência grave contra jornalistas em 2022. Sem dúvida essa violência atravessa principalmente aqueles e aquelas que atuam em seus territórios.

Ameaças, destruição de equipamentos, violência física e até mesmo assassinatos são coisas que estão na lista de desafios que jornalistas têm que enfrentar no dia a dia, assim como as pautas que caem ou as fontes que desmarcam em cima da hora, coisas comuns para quem segue a profissão. A violência tem sido tão frequente para conosco que já acaba fazendo parte dos nossos percalços cotidianos. Devemos normalizar isso? Jamais!

O desafio de não tornar isso algo corriqueiro tem sido grande, afinal, a principal liderança do país incita o ódio contra jornalistas de forma natural e pública. Desde que assumiu a presidência, Jair Bolsonaro e seu governo se tornaram os principais responsáveis pelo aumento da violência contra jornalistas e pela descredibilização do nosso trabalho e dos veículos de comunicação.

Foram quatro anos de perseguição ao jornalismo em suas diversas vertentes, onde muitos jornalistas se viram em situações de sobrevivência para continuarem seus trabalhos. Mas o ano de 2022 trouxe uma esperança para seguirmos em 2023. E talvez seja essa a segunda palavra do jornalismo local neste momento: esperança. Os tempos sombrios que estão com dias contados, pois o resultado da eleição presidencial nos faz ter certeza de um governo comprometido com os valores democráticos para uma atuação mais segura, mas sem deixarmos de fazer uma cobertura crítica e construtiva, é claro.

A importância do jornalismo local e investigativo 

Como citei no início, escrever sobre jornalismo local é também falar de resistência, pois esse tipo de jornalismo é ferramenta de luta em diversos territórios, como no Norte do país, que é de onde escrevo. E essa comunicação vai denunciar desde a falta de água há dias em um bairro periférico da cidade até os danos ambientais e nos modos de vida de um território que tem sido destruído por empresas de mineração, por exemplo.

Os desafios de comunicar a Amazônia, seja sobre seus povos, costumes e conflitos, vão desde a violência ao deslocamento para coberturas de pautas. Mas, para quem é do território e entende a dinâmica da região, horas de barco, estradas ruins, locais sem sinal de internet, são coisas que já fazem parte da vida de quem nasceu por aqui.

"Apesar de uma mudança de governo que indica cenários positivos, a violência contra o jornalismo local infelizmente persistirá."

E é por conta desse pertencimento que o jornalismo local tem tanta potência. Estar mais perto dos fatos faz com que o trabalho de investigação seja ainda mais minucioso. Afinal, é o jornalista cobrindo a sua própria realidade. Independente da região, seja no Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sul ou Sudeste, o jornalismo local desempenha seu papel de ecoar vozes e realidades que muitas vezes não têm espaço na grande mídia tradicional brasileira.

E sem dúvidas, estar onde tudo acontece tem suas vantagens, o contato mais próximo com as fontes, o entendimento mais rápido das questões da pauta, a entrada mais fácil em determinados espaços, a familiaridade com determinados temas, o conhecimento de até onde se pode ir, entre outras coisas, é que tornam a existência do jornalismo local tão necessária.

Além disso, a disseminação de fatos importantes e que não seriam investigados ou noticiados por veículos grandes é também uma característica fundamental, pois sabemos que os espaços na mídia de massa não são para todos, e principalmente não são para o povo, que tanto precisa ser ouvido.

Outro ponto crucial é a forma como são abordadas as construções de reportagens, que acabam combatendo os estereótipos impostos pelas grandes mídias, que muitas das vezes têm uma ideia formada sobre determinadas regiões e as replicam como verdade única para suas audiências. Enquanto o jornalismo local, por estar inserido ali, sabe muito bem a abordagem certa para cada pauta em específico. 

Não posso esquecer, é claro, da pandemia que ainda estamos enfrentando. A covid-19 ainda assola a população brasileira, e de outros países também. Mas, o que quero lembrar é que, enquanto a saúde mundial esteve em risco, o jornalismo local desempenhou seu papel de forma sublime, pois em muitos locais do Brasil o acesso a informações salvou vidas, e isso é mérito principalmente dos veículos de cidades e regiões pequenas.

De forma certeira, esses jornalistas e veículos não só levaram informações, mas também ecoaram as cruéis realidades que clamavam por socorro, fazendo com que a visibilidade para determinados casos fosse a chave para ajudar a solucionar alguns problemas. E isso foi feito de diversas formas, seja pela televisão, rádio, jornal impresso, redes sociais, blogs e portais, rádios comunitárias e poste, podcasts, cartilhas, entre outras.

Vale ressaltar também o trabalho dos veículos independentes, que se comprometem unicamente com as pessoas, pois não se prendem às amarras de anunciantes. Assim, podem atender àqueles que fazem parte do território, seja denunciando, dando espaço, ou até trabalhando junto na construção de narrativas com a população — mostrando que o jornalismo local precisa de mais inciativas independentes para ganhar mais força.

Esses são os pontos essenciais que tornam o jornalismo local tão fundamental para as cidades, periferias e comunidades. Apesar de muitas vezes esse tipo de jornalismo acabar sendo invisibilizado ou questionado, ele continua se mostrando tão essencial quanto aqueles que alcançam altos números de audiência. 

Tudo tem seu preço

Se por um lado o jornalismo local tem vantagem por ser feito por pessoas e veículos que oriundos determinado espaço, por outro, essa condição acaba por cobrar um preço. E ele infelizmente acaba sendo alto em muitos casos.

A proximidade com a realidade local, o acesso a fontes e um conhecimento da região fazem a investigação de um jornalista local se diferenciar da realizada por um colega de fora. E isso incomoda aqueles e aquelas que detém o poder.

É aí que esse pertencimento se torna também uma ameaça. Afinal, aqueles que se sentem “atingidos” com a atuação do jornalismo local, acabam tentando de diversas formas silenciar pessoas ou iniciativas.

As formas de intimidação são variadas. Ataques em redes sociais, tentativas de derrubar sites ou blogs, ameaças por ligação ou pessoalmente, e muitas vezes ataques físicos a a jornalistas e comunicadores são as formas de violência mais comuns. Mas não dá pra esquecer a violência mais preocupante o que é o mais preocupante: o assassinato de profissionais da comunicação.

Fazer jornalismo local é desempenhar seu papel sem medo, e por isso ele precisa de proteção. Pois ao mesmo tempo em que o jornalismo local é “arma” de defesa para o povo, ele vê armas apontadas para si.

"Fazer jornalismo local é desempenhar seu papel sem medo, e por isso ele precisa de proteção. Pois ele é a “arma” de defesa para o povo enquanto vê armas apontadas para si."

Sem Bolsonaro, os caminhos serão melhores?

Fazer apostas ou previsões para o ano de 2023 em relação ao jornalismo local se tornou mais esperançoso e encorajador após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, pois marca o fim da “era Bolsonaro”, e isso já nos aponta muita coisa, afinal o maior inimigo da mídia brasileira já não terá mais tanto poder assim.

Mas, apesar de uma mudança de governo que indica cenários positivos, a violência contra o jornalismo local infelizmente persistirá. Afinal, independentemente de quem está no poder, as agressões contra a imprensa sempre existiram. É claro que atuação ficará mais segura em alguns sentidos, os ataques públicos aos jornalistas já não serão tão comuns, casos de violência terão mais atenção e isso talvez ajudará a diminuir os dados anuais.

Outro ponto que não mudará, mas será potencializado, é a utilização do jornalismo local como ferramenta de luta — algo que nos últimos quatro anos foi essencial diante da realidade do país. Ele continuará narrando e mostrando realidades dos territórios. Ao agir assim, utilizará as ferramentas midiáticas não só para informar, mas também se mostrará como ator estratégico na dinâmica territorial em defesa dos interesses dos povos que habitam esses territórios. 

Muitas coisas no jornalismo local permanecerão como sempre foram, seja sobre investigação, pertencimento e atuação, mas todas terão um fôlego maior em 2023, muito por conta dessa sensação de alívio causada pela certeza da saída de Bolsonaro do poder. Permanecemos tanto tempo em estado de alerta para existir e resistir, que nos faltou tempo para pensar em um futuro bom para nossa atuação, mas aqui estamos para sonhar, pensar e executá-lo.

A partir de 2023 esse futuro parece ter um bom começo, pois trabalhar com a possibilidade de ter a esperança de uma atuação mais livre de perseguições, principalmente no que diz respeito ao governo do país, será fundamental na manutenção da democracia. E se durante todos esses anos o jornalismo local viveu sob ameaças e ataques de quem ocupou o cargo de presidente do Brasil, agora se inicia o momento de dar novos passos. Um deles é criar estratégias de defesa junto ao governo federal, que já se mostrou disposto a pensar mecanismos para melhorar o trabalho da imprensa no país.

Minha principal aposta nos primeiros passos dessa caminhada é o fortalecimento e criação de mídias independentes, que são estratégias fundamentais para que o jornalismo local cumpra de maneira pontual a sua atuação. Pois uma imprensa livre e comprometida apenas com o povo é a chave para uma comunicação mais acessível, e que não é focada apenas em números de audiência, mas sim em ecoar as realidades de onde pertence.

Portanto, independência é a terceira palavra do jornalismo local para 2023, pois assim ele se fortalecerá ainda mais, já que resistência não lhe falta e esperança lhe transborda.

*Jornalista paraense, nascida em Santarém, pós-graduanda em Jornalismo Investigativo na Unyleya. Co-fundadora e editora-chefe do Tapajós de Fato, e colabora na assessoria de imprensa do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém - STTR. Acredita na força do jornalismo independente como ferramenta de luta na defesa dos territórios e dos povos tradicionais da Amazônia.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2023. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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